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Carros com 100 Mil Km: Quem Tem Medo?


Prepare seu coração (ou outro órgão menos nobre), hoje o tio vai contar um monte de histórias. Algumas legais, outras meio chatinhas. Vamos lá!
Outro dia um amigo me pergunta preocupado: “meu carro já está com quase 40 mil km rodados. Você acha que devo trocar?”
O carro do cara está ótimo, nada para fazer, roda como 0-km, nunca levou um risco na pintura… o famoso “filé”. Se fosse para dar conselho, eu daria para o carro: “caí fora, arruma um dono melhor que esse cara é um bunda-mole”.
Mas esta síndrome de “quilometragem” é bem difundido, bem brasileiro. “Acho que vai começar a dar trabalho” e compra um carro novinho, se enterrando em prestações. Vale a pena?
Vamos para algumas historinhas da vida real.

Uns 10 anos atrás comprei um Gol 1,8, ainda dos quadrados, com uns 120 mil km rodados. Nota fiscal, manual, chave-reserva na mão e o cara ainda me vendeu barato pois “ninguém quer carro com mais de 100 mil km”. O Golzinho tinha um dono cuidadoso, manutenção em dia e, o principal, era um “carro de estrada”. As marcas de pedrinhas na frente e no capô denunciavam isso, assim como a história que o ex-dono contava. Ele morava na beirada da rodovia Castello Branco, em São Paulo, e viajava cerca de 200 km por dia, indo e voltando do trabalho em uma cidade distante 100 km de onde ele morava. Ou seja, pelo menos 4.000 km por mês, 48.000 km por ano, rodando a mais de 100 km/h com o motor tranquilo. Claro, comprei o Golzinho.

Na revisão, nada foi feito, está tudo em ordem. Lá pelos 150 mil km rodados, o pedal de embreagem ficou muito duro, queria começar a patinar e foi trocado o kit (platô, disco e rolamento). Com uns 200 mil km, quando se tirava o pé do acelerador, pelo retrovisor ser via uma leve fumaceada. Retiramos e fizemos o cabeçote. Só o cabeçote, que geralmente gasta mais rapidamente que a parte “de baixo” do motor (virabrequim, bronzinas, pistões e anéis). Foram trocadas guias, válvulas de escape e aplainado o cabeçote. Rodei mais uns 30/40 mil km antes de vender, e o Golzinho (1.8) não fumava, não batia e não dava trabalho. De resto, durante estes mais de 100 mil km que usei o Golzinho, só manutenção de rotina: óleo, correias, velas, algumas borrachas de suspensão, pastilhas e lonas, lâmpadas, palhetas do limpador… bobagens e nada mais. Quando vendi, até os amortecedores continuavam originais. Grande segredo: “carro de estrada” e bem cuidado.
Historinha inversa: alguns anos atrás, um amigo descobriu uma “jóia”, um Honda Civic hatch, 1994, um pequeno quase-clássico. Única dona, uma velhinha que “só ia ao supermercado com o carrinho”, com algo como 50 mil km rodados.

Claro que fomos ver. Um dos piores carros que vi na vida. O depoimento da velhinha parecia honesto: está tudo original, nunca foi repintado. O carro fumaceava (acho que o óleo era original também), tinha pequenas pancadas em todos os lugares (inclusive teto, onde ela apoiava as compras) e o interior, destruído, cheirava azedo. Algum ferro-velho deve ter levado por uns R$ 500.

Estas duas histórias só provam um ponto: quilometragem é muito relativa e julgar um carro pelo que ele rodou é, no mínimo, um julgamento parcial e meio burrinho.

Vamos analisar alguns fatos. Lembram que o Meccia disse aqui mesmo no Ae que os fabricantes consideram 5.000 horas como a vida média de um motor? Quase todo mundo achou pouco e concordo. Mas vamos brincar com esse número. Primeiro, ninguém falou em quilômetros, mas sim em horas trabalhadas.
O Golzinho, rodando sempre por uma boa estrada, mesmo com engarrafamentos e pequenos trechos urbanos, provavelmente mantinha uma média de 80 km/h ao longo dos anos. Resultado: para rodar 120 mil km, seu motor trabalhou apenas 1.500 horas, menos de um terço de sua “vida útil programada”.
Já o Civic da velhinha, rodando sempre em uma cidade grande como São Paulo, tinha no máximo 20 km/h como velocidade média. Contas: para rodar os 50 mil km, o motor do Honda trabalhou 2.500 horas, metade da vida útil teórica, e 1.000 horas mais que o Golzinho.
Pior, o “carro da velhinha” sempre trabalhou nas piores condições: motor em fase de aquecimento (gordo, com excesso de combustível) e quando chegava na temperatura ideal, o carro parava: ela tinha chegado no supermercado ou na casa da neta. Freios e suspensões sempre muito solicitados no anda-e-pára da cidade. O escapamento raramente conseguia expulsar a umidade acumulada, pois cada período de funcionamento era insuficiente para aquecê-lo por inteiro. O estofamento já estava desgastado e destruído, principalmente o banco do motorista, de tanto entra-e-sai, sempre para fazer deslocamentos curtos de apenas alguns minutos.

Ao contrário, o Golzinho quase sempre trabalhava em condições mais próximas do ideal, com o motor aquecido, menor rotação para maior velocidade (em última marcha), sobra de refrigeração, freios e suspensões pouquíssimos exigidos, motor com baixa carbonização por rodar em rotações mais constantes e por aí vai. Até a embreagem dura mais, pois tanto se arranca menos, que é o que mais a gasta, quanto se troca muito menos marchas na estrada do que na cidade. Bateria também vai ter maior vida longa, pois sua carga quase sempre é máxima em “carros de estrada”. Em um pequeno deslocamento urbano, de 5 ou 10 minutos, geralmente o alternador nem consegue repor a energia usada para primeira partida matinal.

Conclusão das historietas: vai comprar um carro, esqueça a quilometragem e julgue o carro como um todo. Existem carros que, se voltarem o velocímetro uns 100 mil km, dificilmente isso vai ser percebido. E existem outros que, mesmo com baixa quilometragem real, parecem que rodaram muito mais.
O estado de um carro usado depende de vários fatores, desde o tipo de uso, quem usa, manutenção que recebe, dorme na garagem, além de, claro, a qualidade construtiva do fabricante para aquele modelo.
E não se iluda, mesmo com os produtos atuais sendo considerados como “carrinhos de plástico” por dinossauros como eu, tudo evoluiu. Não só a qualidade da maioria dos materiais, como também de pneus, lubrificantes e até dos próprios plásticos e tecidos dos bancos. Ou seja, bem cuidado, praticamente qualquer carro atual pode rodar mais de 200 mil km se for bem dirigido e não levar grandes pancadas.

FONTE: Auto Entusiastas

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